quarta-feira, 6 de junho de 2012

Reflexões sobre a Tradição Oral

RESENHA – CAPÍTULO 7 - A Tradição Oral e Sua Metodologia – J. Vansina – Professor Ivaldo Marciano texto 1 – disciplina Tradição oral e comunidade. Mestranda Nazarete Andrade Mariano

Reflexões sobre a Tradição Oral


O texto inicia com uma breve introdução sobre as civilizações africanas, em especial no Seara e ao Sul do deserto, abordando que na grande maioria dessas civilizações fazia uso da palavra falada, inclusive onde existia a escrita. Esta, ficando em segundo plano em detrimento as preocupações da sociedade, questionando indiretamente se seria um erro reduzir a civilização da palavra falada simplesmente a “ausência do escrever”. O texto de J. Vansina é divido em subtópicos são eles: A civilização oral; A natureza da tradição oral; A tradição como obra literária; Contexto social da tradição; Estrutura mental da tradição; A cronologia; Avaliação das tradições orais; Coletânea e publicação e por fim a Conclusão. Aqui iremos fazer uma rápida abordagem em cada um desses subtópicos para melhor compreensão.
O autor inicia o subtópico 1, A civilização oral, dizendo que um estudioso que trabalha com tradições orais deve adentrar em uma civilização oral em relação ao discurso que nela existe, que é diferente de uma civilização onde a escrita registrou todas as mensagens importantes. Afirmando que em uma sociedade oral reconhece a fala não apenas como um meio de comunicação diária, mas também como um meio de preservação da sabedoria dos ancestrais, no qual o autor chama de elocuções-chave, ou seja, a tradição oral. (p.139)
Aqui remeto a comunidades que ainda têm costumes voltados para a tradição oral que funciona como preservação, um costume ou um elemento cultural através da oralidade, utilizando da tradição oral para testemunhar verbalmente costumes de uma geração para outra, aqui em Petrolina temos o conhecido “ Samba de Véio” que faz uso da oralidade e é passado de geração para geração, utilizando a oralidade e com isso as crianças aprendem convivendo com o samba, ouvindo os mais velhos e fazendo parte das apresentações.
O autor coloca também que em quase toda a parte, a palavra tem um poder misteriosos, até porque a palavra que é o signo cria significados, como diz no texto “ palavras criam coisas.” Assim nos mostra um exemplo da civilização dos Dogon que expressavam o nominalismo nos rituais em o nome é a coisa, e que “dizer” é “fazer”. (p. 140) Assim é pertinente a afirmação de que a oralidade é uma questão de atitude e não a falta de habilidade de expressão, ou seja, é vista como algo pertinente a realidade em que vive, inclusive essas tradições orais podem desmontar que o discurso do historiador contemporâneo que envolvido as evidências de escritas se vê na obrigação de desenvolver leituras dinâmicas para compreender as mensagens com seus diversos dados, uma vez que as tradições sempre fazem retornos contínuos à fonte. ( p. 140) Portanto, um estudo sobre tradição oral deve ter preferencialmente, uma atitude diferente de uma civilização que utiliza a escrita para registrar todas mensagens tidas como importantes, ou seja, deve ter atenção a atitude de uma civilização oral em relação ao discurso, preservando assim a sabedoria dos ancestrais. Servindo de testemunho verbal de uma geração para outra. Diz que o historiador deve aprender a trabalhar ( com a tradição oral) de forma mais lenta, reflexiva, adentrar na representação coletiva, embrenhar – se nos arquivos da memória coletiva. Isso é referente ao historiador e crítico cultural como deve fazer para dialogar com a apreensão dos significados que a memória coletiva presente na tradição oral nos apresenta e representa? Neste contexto, qual é o papel do crítico cultural? Acredito que diferentemente do historiador de historicizar, o crítico irá fazer recortes de situações dessa tradição oral e buscar compreender as diversas situações que dialogam com essa memória coletiva.Percebe-se a tradição oral compõe-se de testemunhos transmitidos oralmente de geração para geração, tendo a linguagem verbal como principal característica, linguagem essa, diferente das fontes escritas. Um arquivo da memoria coletiva pode ser definido de várias maneiras, pois o testemunho pode ser interrompido, corrigido e recomeçar, por exemplo. Assim, acredito que a tradição oral além de fortalecer relações entre pessoas e comunidades, cria uma rede de transmissão de tipos distintos de conhecimento de vida que é importante para a consolidação dos grupos culturais. O autor encerra o primeiro subtópico contemplando que é pertinente ao historiador iniciar seus estudos em relação à civilização da tradição oral, a partir dos modos de pensar da sociedade oral, antes de interpretar suas tradições. (p.140) E fica o questionamento: e o crítico cultural como deve primeiramente iniciar esses estudos?
No segundo subtópico “A natureza da tradição oral” o autor inicia sobre a tradição oral como um testemunho transmitido oralmente de uma geração a outra. Tendo como características particulares o verbalismo e sua maneira de transmissão sendo diferente das fontes escrita. Admitindo a complexidade existente na tradição oral, assim torna-se difícil uma definição precisa diferentemente da escrita que tem um objeto: um manuscrito. Na tradição oral a transmissão seria alterada em contato com outras pessoas, assim teria uma nova tradição. ( p.140) Faz uma resalva dizendo que nem toda informação verbal é uma tradição, pois toda tradição oral se legitima a partir de um relato de um testemunho ocular, assim o boato fica excluído, apesar de transmitir uma mensagem é resultado de um ouvir dizer, mas que, no entanto, pode dar origem a um determinado acontecimento e uma tradição, quando é repetido por gerações posteriores. Portanto, a origem das tradições, pode repousar num testemunho ocular, tanto em um boato quanto em uma nova criação baseada em diferentes textos orais existentes, combinados e adaptados para criar uma nova mensagem. (p. 141) Conclui-se que a natureza da tradição oral a partir de testemunhos oculares, apesar complexidade e da arbitrariedade desse testemunho, declarações de pessoas, sequencias de acontecimentos passados passando de geração para geração.
No terceiro subtópico que tem como título “ A tradição como obra literária”, o autor aborda que em uma sociedade oral, a maioria das obras literárias são tradições conscientes de elocuções orais, que por sua vez a forma e os critérios literários influenciam o conteúdo da mensagem. Deve-se considerar que há quatro formas básicas, resultantes de uma combinação prática dois conjuntos de princípios. Vale lembrar, que em alguns casos as palavras são decoradas, em outros, a escolha é entregue ao artista literato. ( P.142) Assim é fomentado todas as formas e categoria, inclusive faz abordagem a categoria das narrativas que compreendem a maioria das mensagens conscientes, em que a liberdade deixada pelo artista permite numerosas combinações, muitas modelações, reajustes dos episódios, ampliação das descrições, desenvolvimentos, etc. ( P. 144) Assim, percebe-se que o artista é completamente livre, vale lembrar, que do ponto de vista literário, pois o meio social pode impor-lhe uma fidelidade rígida às fontes. Outro ponto pertinente é que toda literatura oral tem sua própria divisão em gêneros literários, considerando aqui visão aristotélica da teoria literária ( poética aristotélica), até porque pela visão da linguística aplicada, inclusive do dialogismo de Bakhtin narrativa não é classificada como gênero e sim como tipologia de gênero. Argumenta também que a crítica literária levará em consideração não apenas os significados literais e pretendido de uma tradição, mas também as restrições impostas, para a expressão da mensagem, por requisitos formais e estilísticos. O autor fomenta também que é neste ponto que a observação das representações sociais relativas à tradição é de fundamental importância. (P. 145)
No quarto subtópico “ Contexto social da tradição” entre outras abordagens é levado em consideração que em uma sociedade oral a compreensão dos vários status sociais ( direitos e obrigações) também é feito pela tradição. Sabe-se, inclusive, que toda tradição terá sua “ superfície social” que suas representações coletiva, traz uma identidade própria, como em qualquer instituição social ou grupo social, que explica e justifica. ( P. 146) Mas, que poderíamos ser tentados a seguir estudiosos que acreditavam poder dizer a priori qual a natureza ou perfil do corpus de tradições históricas de uma determinada sociedade, a partir da classificação das coletividades em tipos como “estados”, sociedades sem Estados, etc. Embora seja verdade que as diversas sociedades africanas possam ser, grosso modo, classificadas de acordo com tais modelos, é fácil demonstrar que essas tipologias podem ser estender ao infinito, pois cada sociedade é diferente, e os critérios utilizados são arbitrários e limitados. ( P. 147)
O autor faz uma analogia utilizando uma exemplificação para destacar particularidades de tradições [...] uma história de família é particular em comparação à história de todo um Estado, e o que ela diz sobre o Estado está menos sujeito a controle do Estado que uma tradição pública oficial. Mas dentro da própria família, a tradição particular torna-se oficial. Em tudo o que diz respeito à família, ela deve, portanto, ser tratada como tal. Compreende-se, assim, por que é tão importante utilizar histórias familiares ou locais para esclarecer questões de história política geral. ( P. 148) No decorrer de seus argumentos o autor faz uso do pensamento de Goody e Watt que afirma uma sociedade oral tende, constante e automaticamente, à homoestase, que apaga da memória coletiva –daí a expressão “ amnésia estrutural” – qualquer contradição entre a tradição e sua superfície social. Porém, não se pode negar o valor histórico das tradições unicamente por desempenharem certas funções. ( P. 149) Vale lembrar que cada tradição tem sua própria superfície social. Para encontrar as tradições e analisar a qualidade de sua transmissão, o historiador deve, portanto, conhecer o tipo de sociedade que está estudando. (p. 150)
Quinto subtópico “ Estrutura mental da tradição” inicia definindo essa estrutura mental que deve ser entendida como as representações coletivas inconscientes de uma civilização, que influenciam todas as suas formas de expressão e ao mesmo tempo constituem sua concepção do mundo, variando de uma sociedade para outra. A tradição sempre idealiza, cria estereótipos populares. ( P. 152) faz uma retomada referente as tradições de reis, os personagens tornam-se estereotipados, portanto, facilmente identificáveis. Como por exemplo, o rei é o mágico, um outro governante é o justo. Outro ponto pertinente é que entre as representações coletivas que mais influenciam a tradição, notaremos, sobretudo, uma série de categorias de base que precedem a experiência dos sentidos. São as do tempo, do espaço, da verdade histórica, da causalidade. Há outras de menor importância como, por exemplo, a divisão do espectro em cores. Todo povo divide o tempo em unidades, baseando-se em atividades humanas ligadas à ecologia ou em atividades sociais periódicas ( tempo estrutural). ( p. 153) Vale destacar que a história da família, segundo o autor, não remonta a um passado muito distante porque esta conta apenas três gerações, e porque, de modo geral, há pouco interesse em lembrar acontecimentos anteriores. Portanto, as instituições que englobam maior número de pessoas se prestam melhor a nos fazer mergulhar mais fundo no tempo. ( P. 154) Exemplo disso ocorre entre os Bateke ( Congo), onde tudo é remetido à geração do pai ou do avô. Tudo, inclusive a história da família real, é dividido entre par e ímpar, o ímpar pertencendo ao tempo dos “ pais”, e o par, ao dos “ avós”. ( p. 154) Segundo o autor, há uma tendência geral a situar a origem de um povo num lugar ou direção de prestígio: direção “sagrada” ou “ profana” de acordo com o pensamento de que o homem evolui do sagrado para o profano ou vice-versa. Cada povo impôs um sistema de direções à sua geografia. São geralmente os rios que dão o eixo das direções cardinais. ( P. 155)
O sexto subtópico “ A cronologia” inicia afirmando que sem cronologia, não há história, pois a tradição oral sempre apresenta uma cronologia relativa, expressa em listas ou em gerações. [...] a tarefa de gerir a tradição recai sobre um complexo grupo de especialistas, cujas afirmações têm sido corroboradas por escavações arqueológicas. ( p. 157) Ainda afirma que os etnólogos mostraram que as sociedades chamadas segmentárias tendem a eliminar ancestrais “inúteis”, isto é, os que não deixaram descendentes que ainda vivam e constituam um grupo separado. [...] Somente os ancestrais “ úteis” são utilizados para explicar o presente. ( p. 157) Vale salientar que os processos de condensação, alongamento e regularização podem afetar as tradições dinásticas tanto quanto as outras. Outro ponto interessante é sobre a sucessão, pois onde a sucessão é patrilinear e primogenitiva, como na região interlacustre, a tendência à regularização dos fatos resultou num surpreendente número de sucessões regulares – isto é, o filho sucedendo ao pai -, que ultrapassa de muito a média, e mesmo os recordes observados em outras partes do mundo. ( p. 158) Todavia, continuando no campo na cronologia relativa, é possível tentar coordenar diferentes sequências vizinhas, separadas e relacionadas, pelo estudo dos sincronismos. [...] (p. 159)
O sétimo subtópico “ Avaliação das tradições orais” diz que a veracidade de uma tradição será mais facilmente constatada se a informação que contém puder ser comparada com a informação fornecida por outras tradições independentes ou por outras fontes. Duas fontes independentes concordantes transformam uma probabilidade em algo mais próximo da certeza. [...] contudo, tem-se constatado uma tendência muito grande em acreditar na pureza e estanquidade inequívocas da transmissão de um grupo étnico para outro. (p. 160)Outro ponto que chamou a atenção neste artigo, foi em relação a ideia de que a concordância estabelecida entre fonte oral e escrita, pois segundo o autor, fica difícil porque tratam de coisas distintas. [...] ( p. 161 ) Em caso de contradição entre fontes orais, deve-se escolher a mais provável. A prática, muito difundida, de tentar encontrar um acordo não faz sentido. Uma contradição flagrante entre uma fonte oral e uma fonte arqueológica se resolve em favor da última, se esta for um dado imediato, isto é, se a fonte for um objeto e não uma inferência, pois neste caso a probabilidade da fonte oral pode ser maior. ( pgs 161/162)
O oitavo e penúltimo subtópico “ Coletânea e publicação” aqui o auto conclui que de tudo que foi dito no decorrer do texto todos os elementos que permitam aplicar a crítica histórica às tradições devem ser reunidos em campo. Isso implica num bom conhecimento da cultura, sociedade e língua ou línguas envolvidas. [...] diz ainda que o historiador deve redescobrir sua própria cultural. ( p. 162) aborda dizendo que é cada vez mais comum encontrar informantes que adquiriram seu conhecimento a partir de trabalhos publicados sobre a história da região.[...] o problema acentua – se com ampliação da pesquisa. Assim, é preciso estruturar a pesquisa de acordo com uma nítida tomada de consciência histórica. Não é possível recolher “ todas as tradições”; tentar fazê-lo só nos levaria a uma massa confusa de informações. É necessário, primeiramente saber quais os problemas históricos que se quer estudar e então procurar as fontes correspondentes. [...] A maior deficiência das pesquisas que fazem atualmente é a falta de consciência histórica. Há uma forte tendência em se deixar guiar pelo que se encontra. [...] falta de paciência é outro perigo. (p. 163) O autor indica que não se deve esquecer que as tradições orais desaparecem, embora felizmente com menos rapidez do que se costuma pensar [...] “ A tradição conta que ... “ faz uma generalização perigosa quando usa estes termos. ( P. 164)
Na última parte do texto “Conclusão” o autor faz uma breve retomada abordando que atualmente a coleta de tradições orais está se processando em todos os países africanos... [...] que além das tradições recentes, existe um vasto corpo de informações literárias, como as narrativas épicas, e de dados cosmogônicos, que podem ocultar informações históricas às vezes relativas a época bastante remotas. [...] a tradição, por si mesma, não permite estabelecer datas. ( p.165) [...] a coleta de tradição ainda parece superficial, e sua interpretação muito literal, muito “ colada” à cultura em questão. Esse fenômeno vem reforçar a imagem de uma África cuja história consiste apenas em origens e migrações, o que, sabemos, não é verdade. Mas devemos admitir que essa é a imagem refletida pelas tradições que procuram estabelecer uma “ identidade”. (P.165) Diz que a experiência prática provou que o valor maior das tradições reside em sua explicação das mudanças históricas no interior de uma civilização. Isso é tão verdadeiro que, como se pode comprovar que quase toda a parte, apesar da abundância de fontes escritas relativas ao período colonial, temos que recorrer constantemente aos testemunhos oculares ou à tradição para completá-las, a fim de tornar inteligível a evolução do povo. (P. 166) O mesmo fomenta que a tradição oral não é uma panaceia para todos os males. Mas na prática, ela se revela uma fonte de primeira ordem para os últimos séculos. Para um período anterior, seu papel se reduz, tornando-se mais uma ciência auxiliar da arqueologia. Em relação às fontes linguísticas e etnográficas, ainda não foi suficientemente explorada, embora em princípio esses três tipos de fontes devessem, em conjunto, trazer importante contribuição ao nosso conhecimento da África antiga, como faz a arqueologia. Concluindo o autor termina dizendo que as tradições têm comprovado seu valor insubstituível. Não é mais necessário convencer os estudiosos de que as tradições podem ser fontes úteis de informação. Todo historiador está ciente disso. O que devemos fazer agora é melhorar nossas técnicas de modo a extrair das fontes toda a sua riqueza potencial. Essa é a tarefa que nos espera. ( P. 166)

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